(Folhas de Relva Edições)
O pai de Sofia era casado e foi chefe de Jane por oito anos em São Paulo. Depois de terem tido um caso, voltou para o interior e deixou para trás a assistente grávida. Orgulhosa, Jane nunca exigiu nada. Registrou a menina sozinha e de vez em quando enviava fotos pelo correio, mas ele nunca se mexeu para ver a filha e nem respondia às cartas de Jane.
Aos seis anos, Sofia começou a pedir: “Quero ver meu pai, quero ver como ele é, quero saber se é gordo, pequeno, feio ou bonito!”. E não parava de pedir. Jane escreveu de novo ao antigo amor, mas ele recusava vir a São Paulo. Jane quase enlouquecia, pois Sofia continuava a pedir: “Quero ver meu pai, quero saber como ele é! Quero ver meu pai! Quero olhar para ele!” Depois de dois anos, o pai de Sofia consentiu.
Combinaram de se encontrar numa cidade próxima, num bar afastado, para não chamar a atenção. Para o grande dia, Sofia pediu à mãe o melhor vestido, o cabelo preso, e até perfume. Jane, nervosa, não sabia o que pensar. Quase oito anos depois, ainda tinha medo do seu coração disparar. Foram de ônibus, seis infinitas horas de viagem. Jane reservou um quarto de hotel barato para passar a noite com a menina. Esperava que o encontro fosse longo, intenso e se preparou para chorar, carregando uma caixa de lenços de papel.
Sentaram no bar, pediram água, sucos e sanduíches. Ele chegou atrasado, o rosto fechado. Sentou-se e olhou para Sofia. Era impossível saber o que estava pensando. A menina o fitou com seus olhos amendoados. Demorou nesse olhar que não era de reprovação, culpa ou ressentimento. Nada disso. Sofia chupou os dedos, fez barulho com o canudinho e olhou mais uma vez.
Encarou os sapatos, a barriga, a barba e os olhos do pai, mas seu rosto não revelava nenhuma emoção. Sem dirigir a palavra ao homem, virou-se e disse a Jane: “Já vi! A gente pode ir embora!” Jane pulou da cadeira e questionou: “Sofia, você não vai dizer algo a seu pai? Viemos até aqui e vocês não vão conversar?!”. Sofia olhou para a mãe assustada.
“Mas eu não disse que queria falar com ele. Eu queria ver. Já vi. Já sei como ele é. Agora quero voltar para casa!”. Nenhuma das duas precisou usar lenços de papel. O pai mudo chegou e mudo ficou sentado na cadeira, fitando a mesa vazia, pois a menina já levantava e saía do bar, fazendo Jane correr atrás dela. O dinheiro da reserva do hotel, perdido ficou.
Voltaram a São Paulo, Sofia adormecida, Jane confusa e feliz. Aquele homem, o pai de Sofia, não fez seu coração bater mais forte. Jane ria sozinha contando essa história, lembrando a ansiedade em rever seu grande amor, que pareceu ser outra pessoa, muito gordo, pouco cabelo e barba branca. À SOMBRA DE SOFIA – Edições Folhas de Relva – 59,00 no cartão parcelado. Daqui a alguns dias na AMAZON e livrarias.